terça-feira, 21 de setembro de 2010

Aniversário da minha irmã, Valéria!

Bonjour, Valéria,



Hoje é o dia mais difícil desde que cheguei à França. Na próxima semana completo 6 meses aqui! Às vezes, me pergunto se sou normal. Todos os franceses que me conhecem, gente até bem legal, sempre pergunta se estou com saudade de casa. Sinto um pouco de constrangimento quando respondo que não. Sobretudo porque é verdade! Não sinto falta! Mas hoje gostaria muito de acordar e te dar um abraço.



Tenho essa coisa de tentar me compreender. Fico buscando a verdade que escondo de mim mesmo, fazendo minha própria psicanálise. São resquícios de quando fiz mesmo psicanálise. A gente adquire alguns vícios, depois é difícil abandonar! Procuro meus motivos, mas também escondo meus motivos. Acho que, de certa forma, toda partida é uma fuga. A gente faz o que quer. E acho que, no fundo, nunca vou poder explicar tudo de mim, nem a mim mesmo. Você, então, minha irmã querida, vai ter que ficar mesmo sem compreender. Só peço que continue me amando. Como também te amo.



Bom, entre todas essas nossas decisões, vc decidiu fazer 50 anos. Mais bonita que aos 20! É uma grande decisão e, também, muito sábia. Aos que criticam sua beleza de hoje, fica a evidência de que você decidiu por ela com a sabedoria que o tempo te trouxe. E você conseguiu essa sabedoria mais simples que invejo: a sabedoria da indulgência. E a mais importante: a sabedoria da auto-indulgência.



Você me faz pensar no anjo torto do Drummond, que, quando ele nasceu, disse: "Vai, Carlos! ser gauche na vida." Só acho que seu anjo, que nem sei se é torto, chegou um pouco atrasado e quando você fez 50 anos disse: "Vai, Valéria! ser feliz e turista na vida." Pode parecer que o seu anjo não é tão bom quanto o do Drummond afinal, chegou atrasado. Mas entre uma vida inteira sendo gauche e uma vida inteira depois dos 50 sendo feliz e turista, acho que o seu foi bem mais camarada.



Outro dia, quando falávamos da mãe, você me disse que ela nos ensinou a apreciar as coisas verdadeiramente valiosas da vida. Às vezes tenho dúvidas se aprecio da melhor maneira possível. Esse vício da psicanálise parece que tira um pouco do brilho das coisas que vejo. Queria ser um pouco como o Fernando Pessoa que, tendo um olhar todo sofisticado sobre o mundo, conseguiu inventar um outro olhar, pra poder continuar a ver o brilho. O grande golpe do FP foi esse: inventar o Alberto Caeiro pra poder voltar a ver as coisas sem o filtro que toda a sua cultura trouxe ao seu olhar. Então escolhi desejar no seu aniversário aquelas coisas de sempre, felicidade, saúde, carinho de todos, mas quero desejar o que hoje desejo pra mim. Meu vício dificulta isso, mas acho que você consegue. Desejo que você veja o mundo assim:



O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...


Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914


Acho que esse é o maior desafio quando chegamos aos 50, poder olhar para a direita e para a esquerda e ver a cada momento aquilo que nunca tínhamos visto. Isso só, já é uma dádiva. Mas te desejo algo ainda maior: poder olhar pra trás de vez em quando nessa sua estrada e também lá atrás ver aquilo que nunca antes você tinha visto. Não sei, não. Tenho a impressão de que ainda tem aí um pedaço enorme de Fernando Pessoa no Alberto Caeiro. Que traição! ;-) Mas acho que, buscando a simplicidade, Fernando Pessoa inventou uma filosofia ainda mais complexa que a que ele tentava negar.



Bem, é isso! Vou ficar hoje aqui, pensando o tempo todo em você. Acho que vou estar com você. Essa é minha decisão de hoje: hoje vou estar com você.



Felicidades!



Ivan

domingo, 5 de setembro de 2010

Inveja na fnac!

É um tanto curioso morar num país cuja língua não se domina! A coisa que mais me faz falta é material de leitura. Com a internet isso fica menos evidente, porque tenho acesso a todos os sites de jornais brasileiros quando quiser. Mas e aquela vontade, aquela comichão bem no meio da fnac? A gente vê filas intermináveis de franceses carregando dúzias de livros pros caixas. Por que eu também não posso ler em francês?! A solução vem com um pouquinho de cara-de-pau somada ao jeitinho brasileiro. Não é bem livro, definitivamente não é literatura, mas é material de leitura na antiquada versão impressa. E uma forma de ficar lá na fila da livraria carregando algo além de dvds ou material pra limpeza do laptop.

No início das minhas férias, primeira semana de agosto, na Gibert Jeune, uma livraria enorme em Saint-Michel, comprei algo que tá em todo lugar nessa época de férias. São uns almanaques de quase 100 páginas, brochura de tamanho universitário. Coisa mesmo pra "diversão" durante as férias. Nas capas têm um selinho do tipo "350 quiz e jeux por vous tester!". Comprei 3 de "Le Monde": "Connaissez-vous la France?", "Connaissez-vous l'histoire de France?" e "Connaissez-vous la politique?", por 5,95 euros cada. É muito divertido! Mesmo o Patrick gosta de tentar responder às perguntas, às vezes básicas, outras bem de cultura inútil.

Dá inclusive pra perceber as tendências políticas do "Monde" em questões do tipo "l'une de ces personnes ne figurait pas parmi les personnalités invitées au Fouquet's le soir de l'élection de Nicolas Sarkozy à la présidence de la République. Laquelle est-ce?" (uma destas pessoas não figurava entre as personalidades convidadas à festa pela eleição de Sarkozy à presidência da República. Qual?) Claro que as 4 opções de respostas erradas eram nomes dos "barões" da economia francesa, donos de grandes empresas automobilísticas e aeronáuticas, todos amiguinhos íntimos do Sarkô. Como se o "Monde" não fosse mais de direita ainda... de qualquer forma, é uma outra direita.

Mas não são só perguntas. Tem bastante texto. Tem um bem engraçado, porque é do tipo editorial, mas sem nenhum alerta ;-): "L'Europe, mais quelle Europe? - Hier au coeur d'une Europe occidentale partiellement rassemblée, la France se sent aujourd'hui un peu perdue dans un vaste ensemble aux institutions lourdes, aux objectifs incertains, aux limites imprécises, et de plus en plus dominé par la langue et les références culturelles dites anglo-saxones. Après les débats liés à la Guerre froide, les polémiques portent à présent sur la place de l'Europe dans la mondialisation et sur celle de la France dans cette Union qui suscite espoirs et craintes." Não é curioso, num livrinho que se propõe informativo? O texto nem vem assinado e acha que pode falar em nome da França, “das esperanças e dos medos” que a UE suscita, do desconforto diante de um domínio cada vez maior da língua e da cultura anglo-saxônicas.Fiquei de queixo caído. Mas isso também não deixa de ser "informação", não é mesmo?!

Depois, na fnac, encontrei mais umas coisinhas interessantes. No mesmo formato almanaque comprei "300 jeux e quiz de littérature française", 5,90 euros, dessa vez de "Le Figaro", com 80 páginas. Mas finalmente encontrei o que procurava: "La littérature française", coleção "repéres pratiques" duma tal editora nathan ( www.nathan.fr/reperes-pratiques ) que "permet de balayer onze siècles d'histoire littéraire"! Só 160 páginas e por apenas 11,60 euros ;-)

Estou feliz e com leitura pra lá de suficiente pros meus 2 meses de férias. Mas claro que ainda tenho que estudar muita gramática. Andei pensando no meu futuro por aqui. Por conta disso estou planejando um curso de 1 ano de educação continuada na Universidade de Nanterre, que fica aqui pertinho de casa. Tem uma série de coisas que não posso controlar e que espero que estejam em ordem até a época da matrícula. O que posso é me preparar pensando positivamente que vou conseguir uma vaga. Nesse caso, preciso estudar muito francês pra passar pelo menos no DALF C1 (exame avançado de língua francesa) e conhecer minimamente a cultura e a literatura deste país. Essas coisas são pré-requisitos pra fazer o curso, além do domínio de 2 línguas estrangeiras, mas pode ser inglês e português, então estou tranquilo com este último tópico.